A MENINA QUE IA PRO CÈU
Belo dia estava eu sentada no muro da
frente de casa, descascando umas laranjas, quando passa Cesária. Eita que
Cesária era por que era a menina mais perguntadeira que eu conhecia. Bonita,
amorenada, sorriso aberto e sapeca que só, lá ia ela. Ia que nem via nada...: -
Ô Cesária! Vem aqui menina. Me conte, tá fazendo o quê? Quer uma laranja?
Cesária sentou ao meu lado e já de boca cheia, respondeu: - nada não... Tô só
cismando... - Cesária adorava falar isso... "Tô cismando”. Era uma
criaturinha curiosa, de olhar esperto. Isso de cismar, até que combinava com
ela. - Cismando? Mas cismando com o que: - Com o ocorrido sabe? Com coisa que
me aconteceu. - E que coisa foi essa? Pode contar? - Cesária ficou me olhando
naquilo de “conto ou não conto”... Mas num suspiro, começou a falar: - Lembra
de quando minha mãe foi trabalhar noutra cidade e me deixou morando na casa do
meu tio Francisco? - Lembro. Você
reclamava de levar lambada o tempo todo! - Então! E da irmã dele? Tia Rosa
Maria? Você lembra? - A que morreu faz dois dias? –Claro e sei que era sua tia
favorita... - E era mesmo... E olhando
de um lado para o outro, procurando ver se ninguém ouvia nada, de supetão
falou: - Você só não sabe, é que minha tia Rosa, quando já estava muito
doentinha, me chamou e disse: - Cesária, se quando eu estiver indo ao encontro
de Deus, tua mãe ainda não tiver voltado pra te buscar, te levo comigo pro céu.
- Falou assim mesmo?! - Assim mesmo, bem
de ponta de orelha, pro meu tio não ouvir. - E você pulou de medo foi? - Claro
que não, que não sou medrosa. - Tá certo! Mas então o que foi que você disse
pra ela? - Perguntei se no céu tinha pé de cajá, sapoti... Ela me disse que
não. Que no céu só tem ricos e deliciosos manjares. Achei ruim, eu ia ficar só comendo manjares?
- É de fato não parece mesmo muito bom...
- Pois então! Aí eu perguntei se podia soltar pipa no céu, brincar de
roda... Se tinha rio pra tomar banho...
- E tem? - Tem nada! Minha tia
disse que não tem nada disso no céu, mas que ia me acostumar. - E você disse o que pra sua tia? - Que não
queria ir pro céu. Imagina. Ficar sem nem comer um gomo de jaca! Deus não pôs nada lá! Não tem bala, não tem pé de moleque... Nada
dessas coisas que eu adoro. Só manjares... - Sua tia não ficou triste de você
não querer ir com ela? - Nem me ouviu! E
garantiu que se minha mãe não viesse me buscar, ela ia me carregar. - Ainda bem
que sua mãe veio né? - Ah sim... Se tudo fosse só isso... - Por que tem mais? -
Se tem! Quando minha tia tava pra morrer, disse pra minha mãe que queria que eu
colocasse um raminho de angélica na mão dela no caixão. Cheguei em casa minha
mãe engomando meu vestido pro enterro, me deu a notícia. Aí foi que me
preocupei. - Por quê? – Ué, imagina se na hora que eu colocasse a raminho nas
mãos da tia ela me puxasse pra dentro do caixão? Ora, eu ia parar no céu de
qualquer jeito! - Nossa! É mesmo! E o que foi que você fez? – Ah, não tinha
como fazer nada! Então menti dizendo que tava com dor de barriga. Mas mãe sabe
quando a gente mente, né?! A minha, me
perguntou rindo, se eu queria chá de boldo. Eu detesto chá de boldo. Não! Eu
disse. Não teve jeito. Botei o vestido e lá fui eu pra igreja. Aí chegou a hora
de por a bendita da angélica na mão da tia. Eu esperneei que só, fiz de um tudo
pra não me tirarem do banco, mas não teve jeito, de novo... Eu chorava, gritava
eu só escutava o povo dizendo: "coitada da Cesária! Tá morrendo de saudade
da tia... E eu ali agoniada, só firmando o pensamento: "Não vou pro céu,
pro céu não vou..." - E como você fez pra ela não te levar? - Pus o
raminho na mão da tia, sem nem abrir os olhos e corri o mais rápido que pude, pra
fora da igreja. Minha mãe até que veio atrás, mas eu me encarapitei no pé de
Jamelão da praça, bem no alto. Gente grande não tem paciência de trepar em
árvore. Foi minha sorte. Minha mãe me vendo lá deu de ombros e voltou pra
igreja. Fiquei lá... Só desci quando vi todo mundo saindo da igreja pro
cemitério. Na volta pra casa, minha mãe veio sondar meus motivos: “puxa filha,
você tá mesmo com saudade da sua tia né”?” Foi por isso que tava tão indisposta
de chegar perto do caixão?”- Aí eu disse pra ela que não”. Que com saudade da
tia eu bem que tava, mas que meu medo era dela me puxar pra dentro do caixão. E
já no nervoso falei bem alto que não ia pro céu! de jeito nenhum! Que lá não
tinha nada pra fazer nem coisa gostosa de comer, que o céu era um lugarzinho
muito sem jeito. Minha mãe ficou fula comigo! Sabe o que ela me disse? “Que
diabo de besteira você tá dizendo menina”? Como é que vai ter comida no céu?
Ora, você tem cada ideia esquisita... Ir pro céu com sua tia... Vê se pode!
Você respeite os mortos viu Cesária! Me fala outra bobagem dessa e você fica de
castigo! ô cabeça mais cheia de caraminhola! - Agora me diz: minha tia resolve
que eu vou morar no céu, e eu é que tenho caraminhola?! Gente grande vai
entender gente grande...
domingo, março 03, 2013
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Tania Salgueiro 2017- Todos os Direitos Reservados
2 comentários:
Muito bom! O texto flui com tanta naturalidade que dá vontade de fazer plantão na frente da casa só para ouvir mais histórias das duas.....
Excelente!
Oi Vera! Puxa...Vc gostou! Obrigada... Seu blog é lindo... Tõ muito feliz com esse nosso contato. Bjs!
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