O FILME

Não viu o filme até o fim. Não conseguiu. Saiu apressada se sentindo sufocar. Na rua logo de cara, o sol. Já não lembrava que era dia. Aliás, quem se lembra do tempo real quando está dentro de um cinema? Talvez alguém lembre. Talvez aquele cara que sentou ao seu lado e não desligou o celular, saísse de lá sem nem sentir o impacto da luz do sol. Não importa. O que estava em jogo agora era saber como o filme terminava. O vilão morreu subitamente? Acabou com um beijo cheio de promessas entre o casal? Ou apenas um adeus carregado de significado? Ah, isso não. Adeus carregado de significado! Que patético! Adeus não passa disso: adeus. E dói tanto quanto um maldito calo a infernizar o pé. Fora que, naquele horário, as ruas ficavam apinhadas de gente e o ar abafado. Bares entupidos de gargalhadas, pessoas se esquivando nas calçadas... "Como acaba esse filme?" A pergunta martela em sua cabeça enquanto seu decote transpira e os olhos de hipermetropia, ardem. Lembrou da enseada. Sempre achou que o mais legal de Botafogo era a paisagem da enseada. O Morro da Urca e todos aqueles barcos flutuando... Seguiu para lá. Era possível que o final do filme aparecesse por ali, em meio ao glamour dos barcos caríssimos. Atravessou para a calçada lateral do shopping que é bem mais larga e se sentiu mais aliviada. A falta de ar passou um pouco. E lá estavam a baía, os barcos... Mas não achou "the end" nenhum... Pensou na imensidão da cidade e quis que não fosse tão imensa. Na verdade, o Rio bem poderia caber todo ali em Botafogo: sua casa poderia ser na Muniz Barreto e todo o resto, seguir pela São Clemente. Rindo da ideia absurda, voltou devagar pelo mesmo caminho, até o Metrô. Chegando à plataforma, olha as placas: “Pra onde vou”? zona sul ou zona norte? Qual direção? E novamente a falta de ar, o início do pânico. Concluiu que o final do filme era aquele: Nada de morte súbita do vilão, nada de beijo promissor e, claro, nenhum patético adeus. O "the end" era aquela plataforma, o final estava ali; nas placas informativas, nos painéis de propaganda. Portas de vagões que ao se abrirem, cuspiam pessoas que pareciam estar sem ar e quase em pânico também. Rostos pálidos e assustados. Pensou: "todos aqui estão como eu; procurando o final do filme." Sentou respirando profundamente; mais tranquila quase feliz na verdade. Vendo em cada rosto, o seu. E apesar de lamentar não ter um saco de pipocas, ainda ficou ali por um longo tempo.

2 comentários:

Vera Menezes disse...

Que lindo texto... me lembrei das vezes em que uma silenciosa curiosidade me levava para uma praça qualquer... ficava escondida atrás de um livro vendo as pessoas passarem... gostava de adivinhar os sentimentos por trás das expressões... Testemunhei tantos finais provisórios...incluindo os meus...

Claudia Bernardo disse...

Pois é Vera... Tem os nossos não tem? rs

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